Texto: Xavier Bartaburu

Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Água Doce. (Foto: Fellipe Neiva)

A do Carmo faz roupas de bebê e kits de banheiro em forma de coruja. A dos Milagres, toalhas de mesa e de banho. Natalia já teceu uma cortina de 3 metros para a cunhada e Cleilda virou especialista em enfeitar panos de prato com bicos, bordas e babados. Tudo de crochê. Quem quiser pode procurar por elas nos povoados de Piranhas e São Joaquim, bem no meio da estrada que liga o litoral do Piauí ao do Maranhão. Quando tem feira de produtores rurais em Água Doce, lá estão elas, todas juntas numa barraca só, cada uma com seu pedaço de estrado para expor as peças. Numa dessas feiras, não é que a do Carmo vendeu dois tapetes em forma de elefante para a própria prefeita?

– Ela pagou 150 reais por cada tapete! – comemora Maria do Carmo da Conceição Pereira, valor devidamente anotado no caderninho que começou a preencher logo que uma técnica da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar apareceu com a ideia de começar um programa de artesanato por aqui.

“Caderno do Faturamento da Do Carmo Graça a Deus e o Flávio Dino”, ela escreveu na primeira folha. A página inicial de um capítulo que começou em maio de 2017 junto com outras cinco artesãs da zona rural de Água Doce do Maranhão, todas participantes do programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Artesanato e dos Trabalhos Manuais. O benefício: incentivo financeiro para investir em fios e novelos – incluindo-se aí as idas e vindas até Parnaíba, no Piauí, onde se pode pechinchar melhores preços.

Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Água Doce. (Foto: Fellipe Neiva)

Todas já dominavam o crochê, mas poucas ganhavam dinheiro com isso. Era arte à toa, para se deixar a casa mais bonita, salvo quando vendiam uma peça ou outra ali pelos povoados. Maria dos Milagres Vilar já nem costurava mais: tinha quase se esquecido de como era que se fazia o que a mãe lhe ensinara quando menina. Cleilda lhe lembrou, reensinou-lhe alguns pontos e aí está a cozinha da dos Milagres, toda enfeitada: fogão, botijão de gás, liquidificador, panela elétrica, puxador de armário, tudo agora protegido do pó pelas peças de crochê que ela mesmo fez. E tem também as que vendeu: cinco toalhas e quinze panos de pratos até agora, totalizando 323 reais amealhados em seis meses e, como fez a do Carmo, também registrados em papel – sinal de que os ensinamentos sobre gestão foram bem assimilados.

Cleilda Pereira de Lima é mais das sutilezas: só trabalha com linha fina, que exige mais trabalho, tempo e dinheiro. Mas ninguém em São Joaquim faz bicos de crochê como ela: cada pano de prato que ela compra no mercado sai de sua mão transformado numa peça nova de bordas rendilhadas em formas geométricas, de flores ou corações. Cada uma custa 12 reais. E tem também as toalhas de mesa, lindas rendas circulares que ela voltou a fazer justo porque agora já podia comprar a matéria-prima. O preço: 70 reais.

Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Água Doce. (Foto: Fellipe Neiva)

Já Maria Natalia da Cruz Vilar ganhou ajudante para dar conta da nova demanda: a filha Nataline, a mais nova peça de uma trama centenária que vem sendo tecida pelo menos desde o bisavô. Isso mesmo: quem ensinou crochê à dona Maria, mãe de Natalia, avó de Nataline, foi seu pai – um homem nas agulhas, coisa rara por aqui. Hoje as duas tecem juntas tudo quanto é artigo trançado em linha: tapetes, panos de prato, guardanapos, roupas de criança e, sim, uma cortina de três metros em linha fina pela qual receberam a generosa quantia de 300 reais.

Mas não vá pensar que é fácil vender esse tanto, assim de uma vez.

– Aqui é dinheiro de tico-tico – diz Natalia, lembrando que na zona rural de Água Doce a clientela não é das mais endinheiradas.

– Elas vendem muito fiado, para receber depois de 30 ou 60 dias – conta Paula Jessica Santos, a técnica da SAF. – Essa é a realidade da região.

A não ser que façam como a do Carmo, que se dispõe a bater de casa em casa com a sacola na mão, repleta de peças de tudo quanto é tipo, tomada do entusiasmo que lhe é habitual:

– Bom dia, meu amigo! Vamos fazer uma comprinha hoje?

Plano Mais IDH muda a vida de moradores em Água Doce. (Foto: Fellipe Neiva)

E foi assim que a mulher, em um ano, conseguiu juntar 1.500 reais vendendo artigos de crochê. Das quatro, é a que tem a maior oferta de produtos e também a mais dada a voos de criatividade: ela mesma desenha as próprias peças. Primeiro rabisca no papel as imagens – frutas, flores, bichos e, sobretudo, corujas (“tenho como tradição”) – para depois transformá-las, com as agulhas, em tapetes, cortinas e kits de banheiro, incluindo a caixa acoplada da privada. Agora anda às voltas com uma cortina em forma de onça, para ser pendurada no alto da porta: o bicho servindo de varão, para das patas pender o cortinado.

– Pra parecer que ela tá trepada no penhasco – explica.

Ah, e a do Carmo também aceita encomendas. Todas igualmente anotadas no caderninho, para já saber quanto vai gastar e quanto vai cobrar. Coruja é o que mais lhe pedem, mas diz que se lhe pedirem um sapo, ela faz um sapo. No outro dia lhe encomendaram um tapete do Bob Esponja. Do Carmo não sabia bem o que era, foi procurar na internet. E já decidiu:

– Como é famoso, vou cobrar 80 reais.

Saiba mais:

 

Água Doce do Maranhão

Ações do Mais IDH: Escola Digna; Sim, Eu Posso!; Bolsa Escola; Arca das Letras; Formação Inicial e Continuada/Iema; Centros de Referência em Assistência Social; Força Estadual de Saúde; Mais Sementes; Mais Feiras; Mais Extensão; Sistecs; Programa de Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de Alimentação Escolar; Água Para Todos; Saneamento Básico Rural; Mais Saneamento; Kits de Irrigação; Rua Digna; Minha Casa, Meu Maranhão; Cozinha Comunitária.

IDHM: 0,500
Ano de fundação: 1997
População: 11.581 habitantes
População rural: 72,9% do total
Renda per capita: R$ 172,55
População abaixo da linha de pobreza: 59,5%
Taxa de analfabetismo (acima de 25 anos): 45,7%
Mortalidade infantil: 40,6 entre mil nascidos vivos

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